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Apocalipse
TIPO DE PROJETO
Exposição
DATA
08 de novembro - 01 de dezembro 2024
LOCAL
Casa França-Brasil - Rio de Janeiro, RJ
ARTISTAS PARTICIPANTES
Augusto Portella, Caio Pacela, Carlos Vergara, Darks Miranda, Edu de Barros, Eduardo Berliner, Felippe Moraes, Fernando de La Rocque, Francisco de Goya y Lucentes, Froiid, Gian Gigi Spina, Guerreiro do Divino Amor, Guga Ferraz, Hélio Oiticica, Ian Cheibub, Jean-Marie Fahy, Letícia Parente, Márcia X, Maria Antonia, Maxwell Alexandre, Melissa de Oliveira, Nádia Taquary, Randolpho Lamonier, Raphael Escobar, Sofia Borges, Tainan Cabral e Thix.
FOTOS POR
Fabian Alvarez
Cara Encruzilhada,
É difícil escrever-lhe na situação em que nos encontramos. Tentar colocar em palavras todas as decisões que tomamos até agora e que ainda teremos de tomar – difíceis, fáceis, certas, erradas, necessárias ou frívolas – não é tarefa simples. Mas aqui estamos de novo, no momento de escolher qual caminho seguir.
Às vezes, é tentador apenas seguir adiante, sem reparar nas transversais que se abrem a cada passo – deixar a vida nos levar sem tanto planejamento, sem o peso das expectativas. Também é confortável retornar ao que conhecemos, permanecer no campo seguro das nossas escolhas passadas, repetir fórmulas, moldar-nos aos padrões e optar pela serenidade. Mas, ao que parece, essa não tem sido a nossa direção – escolhemos testar aonde nossas decisões podem nos levar. Então, aqui estamos, buscando entender qual seria a "certa" a se escolher.
Temos tentado fazer o que nos parece correto, engajadas em projetos que, na nossa visão, contribuem positivamente com o entorno – modestos esforços com a intenção de reduzir desigualdades e/ou fomentar reflexões. Mas muitos não concordam com nossas ações e com as ideias que defendemos. Talvez, minha cara, você já conheça um pouco do nosso trabalho ou, pelo menos, se depare com ele hoje.
Acreditamos que a existência humana é dúbia; decisões que, para uns, parecem inaceitáveis, para outros são um exercício de liberdade, consequência ou sobrevivência. Aborto, drogas, eutanásia, violência, promiscuidade, prostituição, ou até mesmo atos de abuso, agressividade e transgressão. Em que ponto surge a culpa? E se ninguém tiver culpa de nada, ou se ela estiver distribuída dentro de uma sequência de atos? Será que podemos compreender as nuances de nossas escolhas sem impor um juízo final sobre o que é certo ou errado?
Será que somos mesmo donas de nossas próprias escolhas? Existe mesmo livre-arbítrio? Esse conceito tão precioso e, ao mesmo tempo, tão ilusório. Nascemos em culturas, genética, estruturas, ambientes familiares e/ou vulnerabilidades independentes da nossa escolha, e embora alguns tenham mais liberdade e muitas vantagens, ainda assim somos todos influenciados a agir de acordo com nossas biologias, referências, experiências e necessidades conscientes e inconscientes.
Na década de 80, o neurocientista Benjamin Libet conduziu um experimento que investigou a relação entre atividades cerebrais e a consciência na tomada de decisões voluntárias. O Experimento de Libet aponta que o cérebro inicia o processo de ação antes de a pessoa estar consciente da sua decisão. Vivemos, então, em estruturas sociais e biológicas determinísticas? Isso significaria que todas as nossas atitudes são estabelecidas por algo que aconteceu antes, entregando nosso destino a forças invisíveis e abdicando da responsabilidade por nossas decisões e por como elas impactam positivamente, negativamente ou cruelmente os outros, e, em última instância, nossas próprias vidas. Isso, certamente, pode diminuir nossa ética, honestidade, a forma como nos relacionamos com os outros e, principalmente, nosso autoconhecimento. É impossível negar que a lucidez, o conhecimento e as possibilidades de escolha existem. Se nossa consciência realmente tem o poder de decidir, devemos valorizar e honrar nossas opções – afinal, isso é o mais próximo que chegamos da verdadeira liberdade.
Minha cara Encruzilhada, o que é certo ou errado? E quem tem o poder de decidir? De onde surgem as regras de moralidade e ética que orientam nossas vidas? Não enfrentamos apenas a existência de múltiplos caminhos, mas também estruturas visíveis e invisíveis de poder, controle e opressão que moldam e restringem nossas escolhas (quando elas de fato existem). Há uma linha tênue entre o que é considerado moral e o que se revela como mero moralismo, assim como entre o que é ético e o que se transforma em imposição.
É irônico perceber que o poder das entidades que impõem regras, leis, comportamentos e dogmas depende essencialmente daqueles que as seguem; afinal, a autoridade só se sustenta graças à obediência de quem cumpre as normas. Karl Marx destacou que a imposição de hierarquias se baseia em estruturas que alienam as massas, sendo a alienação da classe trabalhadora uma das principais formas de condicionamento. Ele argumentou que, sob o sistema capitalista, o trabalhador se torna alienado do produto de seu trabalho, do processo produtivo, de sua própria essência e dos outros trabalhadores. Essa alienação reforça a hierarquia, pois o trabalhador perde a conexão com sua capacidade criativa e produtiva, tornando-se uma peça subordinada em um sistema que serve aos interesses da classe dominante, perpetuando o acúmulo de capital e até a exploração trabalhista. O mesmo princípio se aplica a outras estruturas, como a relação entre o povo e seu governo, entre as igrejas e seus fiéis, e até mesmo nos condicionamentos impostos pelo patriarcado.
Hoje, nos encontramos nesse espectro onde os dois lados – o opressor e o oprimido, assim como o bom e o mau, o certo e o errado, o amor e o ódio, e o sagrado e o profano – são, na verdade, componentes da mesma régua. Cada um é indissociável e complementar ao outro, como duas metades do mesmo todo, e, portanto, não tão opostos assim. Estamos aqui, nesse meio, entre várias possibilidades de sequência, e mesmo assim não conseguimos responder o que é o certo, o bom, ou muito menos o melhor caminho.
Segundo a Bíblia, o Apocalipse é, antes de tudo, uma revelação que, em sua interpretação literal, exalta o dia do julgamento e as consequências reservadas para aqueles que escolhem caminhos profanos e desonrados. Podemos lembrar da pintura O Jardim das Delícias, de Bosch, ou do clássico A Divina Comédia, de Dante Alighieri, que retratam seres humanos e criaturas em diferentes estágios da pós-vida – o paraíso, o purgatório e, por fim, o inferno. São imagens poderosas que nos fazem acreditar que o pecado conduz às chamas frias do submundo. Curiosamente, o sagrado é tão imponente que pode se transformar em profano, limitando até mesmo a força do pensamento crítico.
O que ocorre em você, querida Encruzilhada, desvela tanto as engrenagens do poder quanto as forças que movem as massas. Em um cenário onde o sagrado é intrinsecamente entremeado ao profano, cada decisão se torna um ritual e cada escolha, um ato de fé. Entre o que é imposto e o que é aceito, dançamos todos nessa coreografia de influências, como um grande malabarismo entre o que queremos e o que podemos, tentando reivindicar alguma liberdade – liberdade de escolha sobre nossas mentes e corpos, liberdade de transitar socialmente sem a necessidade de um controle soberano. Será que somos espectadores, participantes ou apenas instrumentos de forças maiores? Aqui, com você, a escolha é simultaneamente nossa e de ninguém, revelando que talvez o verdadeiro poder resida no constante questionamento e na coragem de seguir, mesmo sem certezas.
Nos vemos em breve, querida amiga.
De suas comadres,
Gabriela e Maíra
Novembro 2024
curadoria
Gabriela Davies
Maíra Marques
produção
Marcella Klimuk
montagem
Hector Tabet
Juan Tiziano
Matheus Monteiro
assistência escultura Bispo Caído
João Marcos Mancha
agradecimentos especiais
André Parente, Artur Fidalgo Galeria, César Oiticica, Cid Moreira, Festa Rara, Gabriel Giucci, Galeria Cavalo, Galeria Janaína Torres, João Marcos Mancha, Mário Sérgio Braz, Nonada ZN, Instituto PIPA, Portas Vilaseca Galeria, Projeto Hélio Oiticica, Ricardo Ventura, Silvia Cintra+Box4, Tânia Queiroz e Padre Zé Maria.
CASA FRANÇA-BRASIL
direção
Tania Queiroz
coordenação artística
Aline Beatriz de Souza
coordenação administrativa
Rodrigo Leite
pesquisa e memória
Luisa Lacerda
comunicação
Adrielle Dantasx
Heitor Alvarenga
projetos especiais
Carla Maldonado
jurídico
Patrícia Meireles
limpeza
Thailane Wandin
Marcio Sena
manutenção
José Pires
Marcos Vinicius Nascimento
Marcos Felipe Carvalho
copa
Marcelo Reginaldo
SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA
E ECONOMIA CRIATIVA DO RIO DE JANEIRO.
governador
Cláudio Castro
secretária
Danielle Barros
chefe de gabinete
Claudia Raybolt
superintendente de artes
Cristina de Pádula Cattan