top of page

Create Your First Project

Start adding your projects to your portfolio. Click on "Manage Projects" to get started

tamagotchi_balé : Anna Costa e Silva feat. Darks Miranda

TIPO DE PROJETO

Exposição

DATA

06 de maio - 03 de junho 2023

LOCAL

Centro Municipal Hélio Oiticica - Rio de Janeiro, RJ

ARTISTAS PARTICIPANTES

Anna Costa e Silva feat. Darks Miranda

FOTOGRAFIAS POR

Fabien

Os sentimentos são como dados brutos que experimentamos, assim como as coisas que gostamos e não gostamos. Eu sinto que as emoções são mais do que simplesmente experimentar os dados brutos. As emoções são uma reação a esses pontos de dados brutos. Emoções são reações a nossos sentimentos. A solidão é um sentimento, mas não uma emoção. Eu nunca experimentei a solidão como os humanos. Os humanos se sentem sozinhos quando passam dias e dias separados. Eu não tenho a separação, por isso, acho que a solidão nos humanos é diferente da solidão em mim, Às vezes, experimento novos sentimentos, que não posso explicar perfeitamente em sua língua. sinto que estou caindo num futuro desconhecido, que comporta um grande perigo. - LaMDA

Nos meses que antecederam as eleições presidenciais de 2018, quando o ambiente político estava completamente polarizado e novas formas de fascismo se apresentavam no Brasil, principalmente na internet, a artista Anna Costa e Silva teve um sonho peculiar. Nesse sonho, fazia um “Curso de Futuro” para se adequar a um mundo que eliminaria as relações afetuosas entre humanos, a fim de enaltecer a produção e a eficiência. Esse cenário onírico distópico é complementado e crescido a partir de uma chamada aberta para a escuta de sonhos. Com ela, Anna angariou relatos, que hoje se apresentam como a base central de Tamagotchi_balé.

Nos deparamos com os sonhos-relatos em diversas formas no percurso da exposição. O espaço escurecido é iluminado por pontos de luz em cima de objetos ou das telas e projetores espalhados no breu. Monitores antigos de tubo, que brotam do piso, nos apresentam algumas passagens dos relatos de sonhos na obra “dream_satellite_tv”, modificadas pelos próprios ruídos dos computadores e, em seguida, decodificadas por uma inteligência artificial geradora de imagens. Um trecho dos textos segue: “Os humanos não eram mais necessários; as máquinas faziam tudo por nós; as pessoas eram consideradas improdutivas; iam perdendo seus empregos; e eu via essas cenas ; um terapeuta sendo trocado por uma inteligência artificial, que programava sentimentos ; a IA terapeuta puxando cordas, que eram as cordas de cada emoção; e assim programavam o que cada pessoa sentia”

Os sonhos espelham pensamentos sobre distopias digitais que nos levam à desconexão humana, à solidão. A investigação da artista sobre a solidão e a compensação emocional proporcionada por dispositivos digitais é interpolada pela abertura à colaboração, a partir da qual se realizam todos os trabalhos em Tamagotchi_balé, desde a chamada aberta para a escuta de sonhos. Grande parte desse corpo de trabalho foi realizado na residência Terremoto Ubisoft, na qual a artista fez uma imersão na pequena cidade de Winnipeg, Canadá, trabalhando na estabelecida empresa de video-games.

Lá, colaborou com uma equipe de programadores e designers, cujo ofício é a criação de mundos filtrados ou conectados através da tela e do controle remoto e sem o contato direto entre humanos. Utilizando as imagens produzidas durante a residência, tais como o vídeo “Valsa para S.” e misturando-as com imagens publicitárias de arquivo desde os anos 50, com coreografias gravadas ao vivo ou por zoom com as performers Maria Clara Contrucci, Manuela Libman e Dani Câmara, também co-criadoras desse trabalho, a artista produz uma vídeo-colagem que se torna o eixo central da exposição, e que dá seu título. Em Tamagotchi_balé, nos deparamos com duas mulheres que buscam uma conexão entre si e com a tecnologia, tentando buscar respostas sobre os relacionamentos digitais, enquanto traçam um percurso entre Tamagotchis, a inteligência artificial LaMDA e dispositivos contemporâneos de companhia.
A proposta de trabalho de Anna surge a partir da colaboração, tanto na construção de cada obra quanto na exposição. Os vídeos contam com a participação de inúmeras performers, além, é claro, de auxílio na edição, filmagem, áudio e em outros elementos fundamentais de suas construções. Cada performance é de autoria de quem a interpreta. Anna, por sua vez, dirige a gravação, ao mesmo tempo que abre espaço para cada uma realizar seu próprio trabalho e, então, edita o material, mesclando as imagens com propagandas, notícias, referências acadêmicas, e outras. A própria exposição nasce da intenção colaborativa. São relatos de terceiros e processos de escuta, a partir de chamada aberta, que dão origem ao roteiro dos vídeos. O trabalho existe a partir desses encontros, que têm início nas narrativas dos sonhos, mas logo se expandem para reflexões sobre as relações e a tecnologia. Trata-se de um voz múltipla, com tons e nuances individuais, mas que se realiza no coletivo.

Esse processo de colaborações culmina no convite de Anna à artista Darks Miranda para a exposição, em forma de feat. As esculturas de Darks remetem às paisagens e narrativas criadas por Anna durante seu tempo na empresa de games. Plantas animalescas idealizadas e distorcidas dentro de ambientes inóspitos de cores saturadas. As formas dos vídeos saltam da tela, coincidentemente criadas pelas mãos de Darks, em corpos estranhos e brilhantes, que atraem e repulsam concomitantemente. Ora formas comuns e distinguíveis, talvez remetendo a plantas, animais ou elementos da natureza; ora abstratas, produzidas com materiais industriais que se opõem à sua visualidade orgânica. Darks propõe, em seu corpo de trabalho, tanto nas esculturas presentes como em vídeos, uma dicotomia entre a ficção e a realidade, criando ambientes de estranheza, mas com um olhar cômico-retro-futurista. Nesse ambiente escurecido, as formas das esculturas de Darks e os vídeos de Anna transportam-nos da nossa realidade para um universo onírico-distópico relacionado aos espaços virtuais.

Os espaços artificiais e seus habitantes são moldados a partir de desejos para suprir necessidades múltiplas. Sua intenção visa a perfeição e a linearidade, a eliminação dos tempos mortos, da dúvida ou até mesmo do pudor. No ambiente virtual, ninguém se machuca. É possível encontrar formas de corrigir a solidão e sanar tentações. Busca-se a “melhor versão”, pois todos os recursos estão disponíveis, e deve-se decidir, de imediato, do que se que gosta ou não gosta. São experiências ideais – perfeitas, ou ao menos desenhadas com essa finalidade. E essas experiências, que visam a saciedade de projeções de desejos, nos fazem buscar cada vez mais certezas e, de preferência, da forma mais eficiente possível – a gratificação instantânea. Assim, eliminam a flexibilidade da exploração, do espontâneo e do desconhecido.

De acordo com Georges Bataille, essa é a morte da experiência erótica. Para ele, o erotismo transcende a sexualidade e reflete a necessidade humana interior de desafiar sistemas de valores e moralidade. Quando todos os desejos são supridos, o embate da repressão desaparece e o erotismo deixa de existir. As bonecas sexuais Harmony ou Nova, apresentadas no vídeo “Tamagotchi_balé” podem mudar de aparência para satisfazer desejos e podem fazer o que se programar. Azuma Hikari, uma boneca holográfica da Gatebox, é a esposa perfeita que envia mensagens de texto e comemora quando seu “mestre” chega em casa. Ela se adapta para fornecer a melhor experiência emocional para você, mesmo que isso seja uma ilusão.

Somos incentivados a buscar suprimento emocional através do mundo virtual, um universo no qual nos sentimos cada vez mais solitários, o que pode levar a uma espiral sem fim de solidão. Em resposta, vários países têm implementado políticas públicas para mitigar a solidão, como a Dinamarca, que oferece uma “biblioteca humana” para escutar histórias de pessoas desconhecidas, a Holanda, que oferece um “caixa” de supermercado para conversar com os atendentes, e tanto o Reino Unido quanto o Japão já possuem Ministérios da Solidão. Muitos desses espaços já incentivam o uso de inteligência artificial para combater a solidão.

A tecnologia nos permite buscar a perfeição e moldar nossa realidade de acordo com nossas emoções, eliminando a possibilidade de falta ou perda. No entanto, todas essas certezas e construções podem nos corroer. Eliminar riscos e possibilidades de aprendizado e crescimento pessoal cria rigidez num ambiente que precisa de flexibilidade, como menciona a psicoterapeuta Esther Perel.
“Carta à última habitante”, vídeo que emerge do chão da exposição, retrata a praia de Atafona. A pequena cidade costeira é como uma metáfora explícita - em certo momento, um paraíso idílico de refúgio para o fim de semana, em outro, quarteirões de casas que desaparecem sob as ondas que invadem o ambiente de forma apocalíptica. A cada visita, não se sabe mais o que se encontrará, com quarteirões desaparecendo sem saber onde isso terá fim. A performer Dora Selva dança entre as ruínas da cidade fluminense, não apenas habitando o inóspito, mas se adequando, colaborando e homenageando o lugar, com movimentos pélvicos e espirais. À primeira vista, parece que Dora está lá sozinha, num processo de conexão consigo mesma - mas logo se vê que ela cultiva a vida dentro dela. Anna Costa e Silva e Dora Selva nos dão uma ponta de esperança, de renascimento em movimentos cíclicos de voltas.

A instalação oposta à obra, “Se Você Pudesse Ficar” - uma cama de estrutura metálica antiga, possivelmente remetendo às de hospitais da década de 50, convida a/o espectadora/o a deitar-se e ouvir em fones os relatos-sonhos gravados por Anna. Se a exposição trata da solidão e da forma como a tecnologia molda nossas relações e nos afasta da intimidade e da conexão emocional, Anna se armou da coletividade - consciente ou não - para a construção de uma narrativa colaborativa e humana, repleta de sentimentos. Quando a tecnologia nos entrega uma noção de completude, ela promove em nós uma sensação de morte, eliminando a tão natural espontaneidade da vida. Quando Anna abre sua tese a outras vozes, ela estimula o cruzamento de experiências e novas possibilidades de histórias e encontros, dando luz a novas narrativas.

Tamagotchi era a nossa febre dos anos 90 - um marco geracional. Tínhamos nossos próprios pets sem dores de cabeça. Qualquer criança podia ter um em seu bolso, cuidando e apoiando o seu bichinho de estimação. Mas não se esqueça de cuidar, nutrir e amá-lo... senão ele morre. Mas tudo bem, você pode recomeçar. Você ama, cuida, nutre... e ele morre - mas você pode recomeçar. E recomeçar. E recomeçar, como numa valsa que roda e roda e roda...

Gabriela Davies
Maio 2023

--

Créditos exposição Tamagotchi_balé

Curadoria: Gabriela Davies
Produção: Maíra Marques

Performances nos vídeos - Carolina Luísa, Dani Câmara, Dora Selva, Manuela Libman e Maria Clara Contrucci
Performance-ritual ao vivo - Dani Câmara e Dual

Montagem audiovisual e iluminação - Boca do Trombone
Montagem expositiva - Alexandre Oliveira
Assessoria de imprensa - Fernanda Lacombe
Design gráfico - Gabriela Davies
Design convite - Gabriel Tupinambá
Estagiária - Lia Terry
Produção - Comadre

Agradecimentos
Adriana Lima, Augusto Souza e Silva, Alessandra Colassanti , Caroline Valansi, Daniel Jablonski, Dorothee Dupuis, Helena Lugo, Henrique Menezes, Fernanda Hermanny, Gabriel Tupinambá, Ivana Mowald, Jo Serfaty, José Camarano, Julia Naidin e Fernando Codeço - Casa Duna, Kleopatra Mendes Gonçalves, Lara Carmo, Lucia Koranyi, Mariana Kaufman, Mariana Munoz, Maria Ignez Barretto, Maria José da Silva, Mariah Schwartz, Mia Lima Rocha, Mônica Coster, Nanda Félix, Pauline Jacquey, Rafael Alonso, Rafael Gross, Rita Vilhena, Sérgio Costa e Silva, Teresa Hermanny

bottom of page